Conheci Elias Vrohidis na Cidade do Cabo. Tem a tez escura, como se tivesse ganho uma nova pele por ter atravessado toda a África. Não o reconheci imediatamente. Éramos ambos “couchsurfers” e o primeiro contacto foi feito através da Internet. Estava curiosa por conhecer este grego de 30 anos que passou mais de um ano e meio a atravessar o continente africano numa moto e tinha agora ancorado na África do Sul para a renovação do passaporte. Partilho da opinião de que a melhor forma de conhecer um país é atravessá-lo por terra, evitando hotéis e pontos turísticos.

A viagem ainda vai a meio, mas para trás contam-se já 45 mil quilómetros na sua pequena Honda XR 250S. Uma moto com mais de 21 anos, que foi remodelada pelo próprio durante os seis meses que trabalhou de borla numa oficina, onde viria a aprender mecânica. Já antes da grande aventura africana, Elias viajou por mais de 15 países, da Grécia à Índia, sempre em duas rodas. Na bagagem, simplificada ao máximo, contam-se uma tenda, uma caixa de primeiros-socorros — ainda por estrear — , uma muda de roupa para cada estação, mapas, documentos e postais da Grécia, que dá como presente a quem conhece na estrada.

Africa

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Licenciado em Ciências da Computação e Comunicação, o salonicense escreveu já dois livros de viagens. Deu aulas de fotografia e informática na Arménia, ajudou uma equipa médica nos Camarões, trabalhou num restaurante no Congo e sempre que tem tempo e ligação à Internet escreve no site pessoal: www.madnomad.gr. Na tradução literal, “nómada louco”, um trocadilho que nasceu em Deli quando tentava explicar a sua filosofia de vida a dois rapazes indianos. “Quando iniciei a viagem a África todos pensavam que era louco; que seria um suicídio. Mas acho que o que me tornou verdadeiramente louco foi o facto de ter tomado medicamentos contra a malária durante mais de um ano na viagem pela Ásia”, brinca.

Elias acabou por contrair Malária no Senegal, mas garante que não ficou um único dia de cama. Foi ao médico da aldeia por causa de uma dor de cabeça que persistia há mais de 24 horas e foi-lhe diagnosticada a doença com a maior naturalidade do mundo. Do que viu, garante que a maior parte das mortes, mais de 600 mil por ano em todo o mundo, acontece porque simplesmente não há dinheiro para o tratamento. “A maior parte das pessoas espera que a doença passe ou vai ao chamado “healer” — o curandeiro”, explica o motociclista. Oito euros foi quanto custou a Elias a consulta e o medicamento.

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Quanto ao Ébola, garante que quando iniciou a viagem ninguém falava da doença que vitimou milhares de pessoas. Apenas na fronteira da Zâmbia com a Namíbia foi sujeito a um controlo. “Tiraram-me a temperatura e deram-me um certificado que comprovava não estar em risco de contrair a doença e que guardo até hoje como ‘souvenir'”, conta, bem disposto.

Viajar? Porque sim!

De onde nasce afinal esta necessidade de viajar como um nómada? Trocar a comodidade de uma casa ou a estabilidade de um emprego por uma vida na estrada, em que nunca se sabe onde termina a viagem. Elias chama-lhe alimento para a mente. Uma viagem em busca da compreensão perdida. “Criticamos muito facilmente, em vez de tentarmos perceber a situação, sobretudo quando falamos sobre África e as suas gentes”, explica.

Nunca teve casa nem carro próprios. Não gasta dinheiro em roupa ou em idas a restaurantes. Os únicos “gadgets” que possui foram oferecidos pela marca de motos Senna. Opções de vida feitas em função das viagens que faz. “Todos dizem: ”deves ser rico para conseguir viajar assim!”. Mas é tudo uma questão de saber como gastar o dinheiro”, afiança o motociclista.

Elias não é o único na estrada. Chegou a conhecer mais nómadas e aficionados das duas rodas, mas também passou dias sem se cruzar com ninguém. Até meio da viagem, teve a companhia da ex-namorada, Cristina, que desistiu no Congo. A partir de então esteve por conta própria. Uma liberdade total, que só esbarra com a burocracia dos vistos. Uma espera que tanto pode durar uma hora, como vários dias. Não pôde entrar em Angola, porque era muito difícil obtê-lo. “O Governo angolano não gosta de turistas, apenas de ‘businessmen'”.

Marrocos, Mauritânia, Senegal, Guiné Bissau, Guiné, Costa do Marfim, Gana, Burquina Faso, Togo, Benim, Nigéria, Camarões, Congo, República Democrática do Congo, Zâmbia, Namíbia e África do Sul. No top dos países que cruzou até agora está a Guiné. “A África mais real que se pode vivenciar”, garante. Fala de um país seguro, paisagens deslumbrantes e pessoas genuinamente hospitaleiras. Hospitalidade que não encontrou em todos os países por onde passou. “Pela minha experiência na estrada, os africanos não são naturalmente hospitaleiros, e esperam receber algo em troca. Olham para o branco com inferioridade e esperam que ele resolva os problemas. O branco, e neste caso o europeu, é sinónimo de dinheiro”, lamenta o grego.

A parte mais difícil não foram as estradas ou a ausência delas. Na opinião do jovem grego, um dos principais problemas de África é a corrupção. O caso mais gritante aconteceu na Nigéria, onde três polícias do Gabinete de Imigração o acusaram de ser terrorista. Teve de pagar 50 euros para não dormir na prisão e poder seguir caminho. “Os polícias são os maiores corruptos em África”, acusa Elias.

Passou toda a entrevista a desfiar o seu “komboloi” como que tentasse resgatar memórias. Uma espécie de terço grego que leva para todo o lado e serve para mantê-lo ocupado, enquanto prepara mais uma etapa do seu sonho de criança. África — o continente aventura. Sorri Elias.

In Jornal Público por Cátia Castro